quinta-feira, 6 de março de 2014

Um exercício literário

Tem uma casa amarela na minha rua. Ela me faz pensar. Não que casas amarelas sejam o tipo de coisa que me fazem pensar, mas esta casa em especial me faz pensar. Não que nela more uma bruxa ou alguma coisa do gênero, nada disso, ela é só uma casa amarela. Térrea. Não tenho a menor ideia do que tenha dentro dela. Às vezes vejo um velho entrando ou saindo dela. Aqui na rua onde estou moram muitos velhos. Acho que ninguém gosta de morar aqui, por isso só os velhos que já moravam aqui antes, quando era um lugar agradável, permaneceram por aqui. Difícil imaginar aqui como um lugar agradável. O que mais vejo pela janela, além da casa amarela, é miséria. Miséria de tudo. Miséria material, intelectual, sentimental. Vejo casas miseráveis ao longe e perto também. Existem algumas árvores que foram envolvidas pela miséria. As casas menos miseráveis são casas hipócritas. Elas apenas aparentam serem menos miseráveis, mas basta ver qualquer pessoa que more dentro dela que tudo muda. Não que seja um problema a hipocrisia em si, o problema é o que ela tenta esconder, não há nada de errado na hipocrisia em si. Aliás, ela é algo necessário para a convivência saudável entre as pessoas. As pessoas são malucas, juro que são... Elas não suportam que outras pessoas sejam diferentes delas, por exemplo, se eu falo pra alguma pessoa tatuada que eu nunca faria uma tatuagem, ela acharia isso um absurdo, começaria a perguntar se eu tenho medo que doa ou algo parecido. Se eu falasse que não faria porque não gosto da ideia, aí a coisa fica preta. Porque ela vai achar que eu tenho que achar a ideia legal só porque ela acha. E se não achar a ideia boa é como se eu achasse a pessoa inteira ruim só por causa da droga da tatuagem. E o pior de tudo é que eu não acho. Não acho mesmo, eu até gosto de algumas. Principalmente as tatuagens dos meus amigos. Gosto mesmo delas, de verdade. Só não me sinto confortável com essa ideia quando se refere à mim. O que acontece é que todas as pessoas ficam fingindo serem todas iguaizinhas por causa disso. Umas querem agradar as outras parecendo iguais, aí o que acontece é que vemos um bando de falsos todos fingindo serem iguaizinhos. Iguais uma ova. Duvido que exista uma pessoa sequer no mundo que pense igual à outra pessoa. Isso é impossível. Eu gosto da ideia de um mundo onde as pessoas aceitem as diferenças. As diferenças são maravilhosas. Aliás, é exatamente por causa das diferenças que estamos vivos até hoje, pois se não houvessem diferenças genéticas em determinada população, a evolução não funcionaria de jeito nenhum. A natureza tem um conceito diferente de evolução. Para a natureza sobreviver é evoluir. Para a gente evoluir é melhorar. Não vejo melhora nenhuma em manter-se vivo. Mas essa diferença é importante e é sempre importante lembrar dela, evita certos conflitos idiotas.
Agora a pouco ouvi um barulho de batida de carro, não foi muito alto, mas também não ouvi uma freada muito brusca. É um problema quando a freada não é brusca pois ela absorve boa parte da energia que pode ser usada para esmagar o corpo do motorista contra a lataria do carro. Quando olhei pela janela vi que quem havia se envolvido no acidente era uma moto e um carro. Quando olhei tinha um motoqueiro mancando tirando o capacete e indo sentar na sarjeta, enquanto outro estava parando sua moto. Motoqueiros são uma raça muito unida, sempre que um cai todos os outros param para ajudar. Não importa quantos tenham. Se tiverem quatrocentos motoqueiros em uma avenida e um deles cai, todos os quatrocentos param para ajudar. Acho isso fantástico. O mundo seria melhor se todos tivessem essa característica dos motoqueiros. Afinal, todos somos humanos antes de sermos motoqueiros ou qualquer outra coisa. Mas acho que se todos fossem motoqueiros o trânsito fluiria bem melhor. Acho que o acidente quebrou sua moto, pois ele parecia muito indignado. Era triste ver. O mais triste é que eu reparei isso por causa da sua expressão corporal inteira. Não era possível ver seu rosto em detalhes pois eu estava longe, mas seus gestos mostravam claramente que ele estava indignadíssimo. Não acho que ele tenha se machucado muito, ainda bem, motoqueiros estão sujeitos a se machucarem absurdamente. Não sei se eu teria uma moto. Acho que se tivesse não andaria pela cidade. Pelo menos não como um louco costurando por entre os carros. Procuraria caminhos sem carros, mesmo que este caminho fosse três vezes maior. O que eu gostaria mesmo é de viajar por aí com uma moto. Eu iria até o México com uma moto. Sempre quis uma imersão cultural na terra dos nossos irmãos latinos... Antes eu achava espanhol uma língua esquisitíssima, mas aí eu ouvi uma mulher cantando em espanhol e eu fiquei alucinado. É impressionante como algumas mulheres têm a capacidade de mudarem completamente nossa visão sobre alguma coisa. Isso pode ser um problema, na verdade. Principalmente se ela faz você ter uma visão diferente sobre ela mesma... Pelo menos antes de você saber quem ela realmente é. Isso pode custar uns dois anos da sua vida. Talvez se você for mais velho isso pode não significar muita coisa, mas quando você tem vinte e poucos anos isso representa dez por cento da sua vida. Eu não desperdiçaria dez por cento de uma pizza, quiçá de uma vida. É, mas tem coisas que acontecem que nos deixam completamente fora de controle. Aliás, a gente só pensa que tem controle sobre alguma coisa, na verdade não temos controle coisa nenhuma. Acho que temos menos de dez por cento do controle de tudo. Os outros noventa por cento são gerados pela interação do seu corpo com o ambiente. Aliás, pensando assim acho que é bem mais do que noventa por cento. Não temos controle de coisa nenhuma, essa é a verdade, só pensamos que temos.

Na verdade, hoje, eu comecei a escrever só para ver se eu ainda consigo escrever alguma coisa aleatória começando um assunto sobre uma coisa nada a ver. Acho isso um bom exercício. Isso indica que a pessoa está sempre preparada para escrever sobre qualquer coisa. Acho que todo mundo deveria fazer este exercício, é muito divertido. Você olha pra qualquer coisa lá fora, pela janela, ou qualquer outra coisa, pode ser um copo de leite, uma sujeira na parede, uma privada, um telefone, uma melancia... QUALQUER COISA. Então você começa a escrever sobre essa coisa. Quando começar a escrever, inevitavelmente você vai pensar em milhares de coisas relacionadas com isso. Então você escolhe a mais legal e começa a falar sobre ela. Então vai começar tudo de novo, essa nova coisa vai te lembrar milhares de outras coisas... Então você terá um texto totalmente digressivo. Não é o tipo de texto que as pessoas mais gostem, elas provavelmente vão pensar que você é maluco, mas isso é bom como um exercício. Pensando nisso, acho que outro exercício muito legal é o desafio de juntar dois assuntos, por exemplo, você tem que começar falando sobre uma banana e terminar falando sobre engenharia aeroespacial. Um dia quero fazer isso. Bom, por hoje é isso. Escrever é um ótimo exercício. Ler também é. Preciso ler mais. Olha que desgraça, não consigo parar de escrever. Bom, fui ^^

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