Tem uma casa amarela na minha
rua. Ela me faz pensar. Não que casas amarelas sejam o tipo de coisa que me
fazem pensar, mas esta casa em especial me faz pensar. Não que nela more uma
bruxa ou alguma coisa do gênero, nada disso, ela é só uma casa amarela. Térrea.
Não tenho a menor ideia do que tenha dentro dela. Às vezes vejo um velho
entrando ou saindo dela. Aqui na rua onde estou moram muitos velhos. Acho que
ninguém gosta de morar aqui, por isso só os velhos que já moravam aqui antes,
quando era um lugar agradável, permaneceram por aqui. Difícil imaginar aqui
como um lugar agradável. O que mais vejo pela janela, além da casa amarela, é
miséria. Miséria de tudo. Miséria material, intelectual, sentimental. Vejo
casas miseráveis ao longe e perto também. Existem algumas árvores que foram envolvidas
pela miséria. As casas menos miseráveis são casas hipócritas. Elas apenas
aparentam serem menos miseráveis, mas basta ver qualquer pessoa que more dentro
dela que tudo muda. Não que seja um problema a hipocrisia em si, o problema é o
que ela tenta esconder, não há nada de errado na hipocrisia em si. Aliás, ela é algo necessário para a
convivência saudável entre as pessoas. As pessoas são malucas, juro que são...
Elas não suportam que outras pessoas sejam diferentes delas, por exemplo, se eu
falo pra alguma pessoa tatuada que eu
nunca faria uma tatuagem, ela acharia isso um absurdo, começaria a perguntar se
eu tenho medo que doa ou algo parecido. Se eu falasse que não faria porque não
gosto da ideia, aí a coisa fica preta. Porque ela vai achar que eu tenho que achar a ideia legal só porque
ela acha. E se não achar a ideia boa é como se eu achasse a pessoa inteira ruim
só por causa da droga da tatuagem. E o pior de tudo é que eu não acho. Não acho
mesmo, eu até gosto de algumas. Principalmente as tatuagens dos meus amigos.
Gosto mesmo delas, de verdade. Só não me sinto confortável com essa ideia
quando se refere à mim. O que acontece
é que todas as pessoas ficam fingindo serem todas iguaizinhas por causa disso.
Umas querem agradar as outras parecendo iguais, aí o que acontece é que vemos
um bando de falsos todos fingindo serem iguaizinhos. Iguais uma ova. Duvido que
exista uma pessoa sequer no mundo que pense igual à outra pessoa. Isso é
impossível. Eu gosto da ideia de um mundo onde as pessoas aceitem as
diferenças. As diferenças são maravilhosas. Aliás, é exatamente por causa das
diferenças que estamos vivos até hoje, pois se não houvessem diferenças
genéticas em determinada população, a evolução não funcionaria de jeito nenhum.
A natureza tem um conceito diferente de evolução. Para a natureza sobreviver é
evoluir. Para a gente evoluir é melhorar.
Não vejo melhora nenhuma em manter-se
vivo. Mas essa diferença é importante e é sempre importante lembrar dela, evita
certos conflitos idiotas.
Agora a pouco ouvi um barulho de
batida de carro, não foi muito alto, mas também não ouvi uma freada muito
brusca. É um problema quando a freada não é brusca pois ela absorve boa parte
da energia que pode ser usada para esmagar o corpo do motorista contra a
lataria do carro. Quando olhei pela janela vi que quem havia se envolvido no
acidente era uma moto e um carro. Quando olhei tinha um motoqueiro mancando
tirando o capacete e indo sentar na sarjeta, enquanto outro estava parando sua
moto. Motoqueiros são uma raça muito unida, sempre que um cai todos os outros param para ajudar. Não
importa quantos tenham. Se tiverem quatrocentos motoqueiros em uma avenida e um
deles cai, todos os quatrocentos param para ajudar. Acho isso fantástico. O
mundo seria melhor se todos tivessem essa característica dos motoqueiros. Afinal,
todos somos humanos antes de sermos
motoqueiros ou qualquer outra coisa. Mas acho que se todos fossem motoqueiros o
trânsito fluiria bem melhor. Acho que o acidente quebrou sua moto, pois ele
parecia muito indignado. Era triste ver. O mais triste é que eu reparei isso
por causa da sua expressão corporal inteira. Não era possível ver seu rosto em
detalhes pois eu estava longe, mas seus gestos mostravam claramente que ele estava
indignadíssimo. Não acho que ele tenha se machucado muito, ainda bem,
motoqueiros estão sujeitos a se machucarem absurdamente. Não sei se eu teria
uma moto. Acho que se tivesse não andaria pela cidade. Pelo menos não como um
louco costurando por entre os carros. Procuraria caminhos sem carros, mesmo que
este caminho fosse três vezes maior. O que eu gostaria mesmo é de viajar por aí
com uma moto. Eu iria até o México com uma moto. Sempre quis uma imersão
cultural na terra dos nossos irmãos latinos... Antes eu achava espanhol uma língua
esquisitíssima, mas aí eu ouvi uma mulher cantando em espanhol e eu fiquei
alucinado. É impressionante como algumas mulheres têm a capacidade de mudarem completamente nossa visão sobre alguma coisa.
Isso pode ser um problema, na verdade. Principalmente se ela faz você ter uma
visão diferente sobre ela mesma... Pelo menos antes de você saber quem ela realmente é. Isso pode custar uns dois
anos da sua vida. Talvez se você for mais velho isso pode não significar muita
coisa, mas quando você tem vinte e poucos anos isso representa dez por cento da
sua vida. Eu não desperdiçaria dez por cento de uma pizza, quiçá de uma vida. É, mas tem coisas que acontecem
que nos deixam completamente fora de controle. Aliás, a gente só pensa que tem
controle sobre alguma coisa, na verdade não temos controle coisa nenhuma. Acho
que temos menos de dez por cento do controle de tudo. Os outros noventa por
cento são gerados pela interação do seu corpo com o ambiente. Aliás, pensando
assim acho que é bem mais do que noventa por cento. Não temos controle de coisa
nenhuma, essa é a verdade, só pensamos que temos.
Na verdade, hoje, eu comecei a
escrever só para ver se eu ainda
consigo escrever alguma coisa aleatória começando um assunto sobre uma coisa
nada a ver. Acho isso um bom exercício. Isso indica que a pessoa está sempre
preparada para escrever sobre qualquer coisa. Acho que todo mundo deveria fazer
este exercício, é muito divertido. Você olha pra qualquer coisa lá fora, pela
janela, ou qualquer outra coisa, pode ser um copo de leite, uma sujeira na
parede, uma privada, um telefone, uma melancia... QUALQUER COISA. Então você começa a escrever sobre essa coisa.
Quando começar a escrever, inevitavelmente você vai pensar em milhares de
coisas relacionadas com isso. Então você escolhe a mais legal e começa a falar
sobre ela. Então vai começar tudo de novo, essa nova coisa vai te lembrar
milhares de outras coisas... Então você terá um texto totalmente digressivo.
Não é o tipo de texto que as pessoas mais gostem, elas provavelmente vão pensar
que você é maluco, mas isso é bom como um exercício.
Pensando nisso, acho que outro exercício muito legal é o desafio de juntar dois
assuntos, por exemplo, você tem que começar falando sobre uma banana e terminar
falando sobre engenharia aeroespacial. Um dia quero fazer isso. Bom, por hoje é
isso. Escrever é um ótimo exercício. Ler também é. Preciso ler mais. Olha que
desgraça, não consigo parar de escrever. Bom, fui ^^