quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ANdAr pElO ANDAR

Um prédio, um andar, um corredor e uma história. Ou o que resta dela. Um prédio antigo onde passamos os melhores momentos de nossas vidas. Um corredor daqueles que não ganha medalha, mas continua correndo parado. Um andar estranho. Estranho, porém gracioso. Um corredor que existia no primeiro andar. Era o corredor dos terceiros e dos segundos anos. Eu só fui conhecer aquele andar quando passei para o segundo ano. Aquele andar me agradava. E aquele andar também me agradava. Naquele andar tinha algo de luminoso, virando no final do corredor à esquerda. Isso se você já não veio de lá... Eram tijolos de vidro. Por eles passava a luz. Era um pedaço do corredor que tornava dois prédios apenas um. E tinha outro debaixo dele.

É de aquele andar que minhas lembranças sobre aquele andar tornam-se mais vivas. Aquele andar não era normal... Tinha algo diferente e inexplicável nele. A maioria dos andares balança de um lado para o outro, por mais incrível que possa parecer. Os prédios geralmente balançam por serem feitos de aço. São flexíveis. Aquele andar subia e descia. Não querendo dizer que os outros andares que iam de um lado ao outro também não subissem e descessem, não é isso, mas é diferente... E não era simplesmente subir e descer... Era mais do que isso. Era sutil e inexplicavelmente subir e descer. A maioria dos andares que eu já havia visto desde então ou ficavam parados, estes eram poucos, ou iam de um lado para o outro, algo quase vulgar. Um andar que subia e descia periódica, sutil e inexplicavelmente era totalmente não vulgar.

Ele era lento. Quase um andar de gato medroso, investigando se havia uma ameaça. Não era desajeitado. Era bonito de se ver. Demorava a percorrer o corredor. Era como se estivesse falando algo interessante. Algo que exigisse atenção. Não que fosse autoritário e roubasse a atenção. Toda a atenção era devidamente merecida.

O andar tinha tijolos de vidro, mas não tinha teto de vidro. O teto era normal. Mas tinha um mirante. Poucos tiveram a oportunidade, desobediência e espírito de aventura de ver os arredores daquele prédio por aquele mirante... Por aquele andar tinha-se acesso ao pátio, à secretaria e às salas de informática.

Aquele andar tinha bastante história. A história ia sendo feita e sendo destruída imediatamente, como ocorre ainda hoje. Só o que resta dela é o pouco que consegue permanecer sendo presente por meio da memória. A memória de aquele andar... Aquele andar ainda existe. Eu o vi com meus próprios olhos na semana passada. Ele estava tão gracioso e empoeirado como quando eu habitava aquele lugar. E sempre estará em nossas mentes, ainda que não passe de uma vaga lembrança.

Um andar em um corredor de um andar de um prédio sem começo, meio e fim. Um texto sem pé nem cabeça como sempre. Para que, afinal, um texto precisaria de um pé ou uma cabeça? As coisas continuam. O texto continua e o andar continua. Apesar de parecer que termina por aqui.

domingo, 14 de agosto de 2011

A fome.

Uma fome é algo no estômago. Mas não é só no estômago, porque não é só o estômago que se alimentará do que nós comermos. O estômago é semelhante a um sentinela que nos diz que não comemos faz tempo e algo deve ser feito. Mas ele não fala com palavras, não... ele vai muito além das palavras. Ele fala com sensações. As sensações extrapolam qualquer nível de interface de dados que se possa ser entendida com nossa mente. Seria quase tão volumosa a quantidade de informações como uma imagem, talvez um vídeo, porém muito mais incômoda...
A fome é uma sensação bastante incômoda que nosso estômago - sentinela do aparelho digestório - cria para nos avisar que algo está faltando.
"Estou com fome." Você pensa. Você não pensa com o estômago, não, você pensa com o seu cérebro: "ESTOU COM FOME" Ele diz. Ele te diz, mas não com palavras. Ele não fala. O que fala é a sua garganta com suas cordas vocais. Elas dizem: "...", pois enquanto se lê, não se fala, a menos que você esteja lendo isso em voz alta ou murmurando subvocações (vício que diminui a velocidade de leitura) relacionadas ao que se lê.
A fome está lá. Ela fica contínua por bastante tempo. E então a chegamos a pensar coisas como: "Vou fazer algo para comer, e depois disso vou comer o que fiz." E depois você REALMENTE vai la fazer algo pra comer e você REALMENTE come. Isso chega a ser sincero. E quantas vezes não pensamos: "Vou fazer X para depois conseguir Y" Latrocinando a verdade dos nossos sonhos?
A fome é algo que nos mobiliza. Se não fosse por ela não estaria aqui escrevendo essa jocosa e intrigante receita onírica de bolo de abacate. O que seira de nós se a fome não nos obrigasse a comer? Cadáveres??? Nem estaríamos aqui se assim não fosse... Depois da fome, vem a tontura. Isso se você não tem reservas de gordura suficiente. Por isso, se pensa em reclamar perto de mim daquela gordurinha localizada na sua barriga (sua vaca), eu, se fosse você, pensaria dez vezes antes de fazê-lo. Nunca passei da faze da tontura. Geralmente é ela quem me avisa que estou realmente com fome. Já me acostumei a ignorar as sandices sensacionais criadas pelo meu estômago vazio por estar pensando em algo mais interessante como... estar com fome. Já pararam para pensar sobre como isso é interessante? E é exatamente aí que acontece um momento mágico: Tudo é certo. Tudo faz muito sentido quando estou com fome escrevendo sobre a fome tão ensandecidamente que chego ao ponto de esquecer que estou com fome em nome da arte (ou seja lá do que você chamaria esse texto.) Acho isso um ápice da racionalidade acima de tudo. Ela me controla. Eu controlo ela. Ela controla minha fome. Eu não como só para sentir o gostinho de escrever sobre o que sinto. E sei que sinto apenas porque sou fruto de uma evolução. Se eu fosse um besouro estercoreiro, amaria a merda. Ela me fascinaria se eu pudesse pensar. A merda me faria feliz. Eu faria tudo por ela.
A fome nos faz fazer coisas que nunca pensaríamos. Chafurdaríamos na lama por causa dela! Mataríamos alguém por comida. Mataríamos alguém para comer! Mataríamos para matar a fome. Assassinatos duplos. Alguém tem que morrer, ou a fome ou eu, como sou egocêntrico demais, chego - e isso é sério - a julgar que a minha morte seria mais trágica do que a morte da
fome. "Gente, quem somos nozes para julgar que a nossa morte é mais importante do que a morte da nossa fome?" Ouvi alguém dizer. E eu digo o contrário. Digo, e é certo, que se não matarmos a fome ela morrerá junto com a nossa morte. Já que ela vai morrer de uma forma ou de outra, matamo-la comendo algo, sentindo prazer ao matá-la.
A fome é uma entidade sagrada. E nos a matamos! Todos os dias nos matamos! Será que não percebemos que a fome é importante demais para morrer? Enquanto isso, só posso pensar em coisas como: "Ela renasce das cinzas todos os dias e tornamos à executá-la com maior prazer. Este é o suplício eterno da fome... E seus suplícios de agonia mal podem ser ouvidos pelos ouvidos humanos..." ou "A fome é uma entidade dotada da não-vida, que seria algo como a vida passada por uma porta NOT. Quando a matamos estamos gerando vida." O que será que aconteceria se passássemos a fome e a vida como entrada para uma porta EX-OR e em seguida por uma porta NOT? Bom, essas são histórias para outros sábados des noites...
Em quanto isso, no outro lado da rua, um fanho chamando alguém de crioulo assim:
-Seu crioulo!